Durante os meses de sua pesquisa, Ana Raylander demonstrou um profundo interesse por projetos não executados, obras desgastadas, peças que se materializam de maneira maltrapilha e por aquilo que a coleção não comportava ou não podia ter. No decorrer desse percurso, a artista se deparou com a presença de um trabalho, no banco de dados da coleção, adquirido no ano de 2014, mas que no ano de 2024 ainda não havia sido entregue pela galeria que o vendeu. Trata-se de um trabalho tridimensional composto por duas peças, uma placa e uma roupa de feltro. Ao longo da sua pesquisa, o caso foi solucionado, e o trabalho finalmente foi entregue pela galeria à coleção, podendo ser observado in loco pela artista.

Essa presença meramente descritiva, ao longo de 10 anos, da obra na coleção levou a artista a outras inquietações que, ao final, foram percebidas como uma soma de esforços para compreender os bastidores da prática. Ana encarou a fragilidade dos conceitos de completude e totalidade durante a sua pesquisa. Nos meses seguintes, ela dedicou seus estudos teóricos para essa modalidade específica de acumulação, conhecida como colecionismo. Para além das peças no acervo, a ela interessava a natureza global e local das coleções de arte e suas implicações na produção de valor dos artistas, das obras e da própria coleção enquanto um “conjunto”. Curiosa com a construção das históricas coleções de arte, Ana buscou entender aquilo que era comum/familiar entre elas e as particularidades que cada uma guardava.

Ao fim da residência, Ana propôs a obra Coleção de vazios [Prateleira], que consiste na utilização de dois organizadores de livros na cor preto fosco, unidos por uma corrente da mesma cor para criar um espaço vazio em uma das prateleiras do acervo de obras de arte ou de documentos de uma coleção. Esse espaço vazio corresponde à medida de dois palmos, ou seja, à distância entre um dedo mínimo e o outro das palmas das mãos abertas, lado a lado, do colecionador/diretor da coleção. A escolha exata do local de montagem do trabalho sempre é feita pelo colecionador/diretor ou por um funcionário designado por ele.

Coleção de vazios [Prateleira] consolida-se como performance de um gesto mínimo que busca assombrar visitantes, artistas, pesquisadores, escritores e colecionadores acerca de suas agências nos espaços de uma coleção. A obra funciona como um lembrete de que sempre existirá algo intocável ou de impossível assimilação, mesmo para a acumulação através do colecionismo. No trabalho, a artista articula a falta como parte constituinte do fazer artístico, garantindo que desejos sejam sempre renovados e nunca cessem de se inscrever. O trabalho é, afinal, uma tentativa de evidenciar certo grau de resistência da arte frente a movimentos de captura física e simbólica.


Coleção de Vazios [Prateleira], 2024
Organizadores de livros na cor preto fosco, unidos por uma corrente da mesma cor; silhueta das mãos e antebraços de colecionador/diretor de uma coleção, sobreposto por resíduos da coleção encontrados em lixeiras; e documento descrevendo a ação.

Coleção da artista.

50 cm x 19 cm x 8 cm / 72 cm x 52 cm. 72 cm x 52 cm.