Arte como projeto como livro


Curadoria: Diana Dobránszky




Um segmento importante da coleção moraes-barbosa é constituído por folhetos, pôsteres, livros de artista e álbuns em vinil de alguns dos mais importantes artistas conceituais das décadas de 1960 e 70. Com o intuito de disponibilizar o acesso de um público mais amplo a esse material, a exposição Arte como Projeto como Livro apresenta livros, obras e vinis de Douglas Huebler, Lawrence Weiner, Robert Barry, Seth Siegelaub e Stanley Brouwn. Arte como Projeto como Livro parte das estratégias de seus artistas e proposições para formar uma cosmogonia do pensamento e da produção a partir dos projetos, livros e materiais expostos.

Douglas Huebler [1924 - 1997, EUA]



Huebler abdicou da criação de objetos e, interessado pela ideia da gestalt, direcionou seu trabalho para o desenvolvimento de projetos que lidam com experiências no mundo. Suas propostas partem da criação de sistemas conceituais, aleatórios ou lógicos, que determinam ações em lugares específicos ou indistintos, a serem realizadas por ele ou por outras pessoas. Essas ações são documentadas por meio de fotografias, textos datilografados, desenhos, mapas, etc. Huebler usa o tempo e o espaço como unidades de medida em seus sistemas – os títulos de suas séries são antes de mais nada descritivos, como Duration, Variable, Location – e os artefactos resultantes dos acontecimentos são evidências que caracterizam o processo. Por meio desse método, o artista busca criar um tipo de arte inserida no contexto da vida e que não tem por objetivo uma transposição visual das percepções humanas, mas sim relatá-las. Inevitavelmente, seus trabalhos levam à questão da capacidade de esses registros comunicarem a amplitude de uma experiência. Contudo, espera-se que o espectador a reconstitua em sua imaginação, de alguma maneira, através dos vestígios apresentados pelo artista.

Lawrence Weiner [1942, EUA]



Weiner define arte como o ato de questionar, e seu interesse como artista é despertar no espectador a capacidade de ver o mundo de outras formas. A partir de 1968, a construção da obra se tornou irrelevante para sua prática – comunicar uma ideia seria suficiente para realizá-la de forma plena. Desde então usa a linguagem como instrumento. As frases enigmáticas que cria surgem na forma de declarações, proposições ou como encadeamento de palavras. Ora lidam com o específico, ora com o geral; mas são notadamente dispostas em estruturas singulares nas quais conteúdo é forma. Os enunciados parecem pertencer a um contexto maior, que é objeto de investigação por parte de seu espectador. Weiner usa verbos em abundância, principalmente na voz passiva, denotando ação ou alteração de estado, e os associa de várias maneiras, multiplicando as possibilidades semânticas. O artista tem como premissa não imbuir seus textos de significado, o que lhes dá potência: a metaforização e a interpretação são construídas pelo espectador. Por ter características próprias, a plataforma livro proporciona uma experiência diferente dessa linguagem. A sequência, a pausa das páginas e a pontuação são elementos que possibilitam outras estruturas. De fato, Weiner considera a linguagem uma espécie de escultura, que transita e se adapta a diferentes meios, línguas, gerações e culturas.

Robert Barry [1936, EUA]



A obra de Robert Barry transcende a materialidade e explora o transitório, o incomunicável e o invisível. Ondas de rádio, emissão de gases e pensamentos são alguns dos insólitos materiais com os quais trabalha. O meio de comunicação primordial que utiliza é a linguagem escrita. Em suas obras, palavras e frases são apresentadas de forma estruturada e, ao mesmo tempo, aparentemente aleatória e intercambiável. Seus textos nunca determinam a o que se referem e por isso fazem do leitor um coautor – na medida em que é entregue a ele a tarefa de explorar as possibilidades de significação. A intenção é a de provocar um encadeamento de ideias e relações uma vez que as palavras não têm referente ou significante determinados. Em seus livros, nos quais os textos são mais longos e envolvem uma relação mais próxima com leitor, o processo de definição nunca se realiza e as palavras, sozinhas nas páginas, parecem dilatar-se e adquirir certa individualidade. Barry consegue criar circuitos randômicos que têm a capacidade de gerar fluidez na leitura e colocar o espectador em um estado de transe, preso em um labirinto de possibilidades.

Seth Siegelaub [1941 - 2013, EUA – 2013]



Ainda que tenha sido curador independente por apenas alguns anos (de 1964 a 1972), Seth Siegelaub exerceu um papel fundamental como facilitador e fomentador da arte conceitual dos anos 1960 e 70. Em consonância com artistas que consideravam a ideia e o processo mais importantes do que a materialização da obra, Siegelaub percebeu que não era necessário um espaço físico para mostrar os trabalhos com os quais lidava, apenas de um meio para comunicá-los. Encontrou na forma impressa o contexto no qual os projetos-obras poderiam ser apresentados. Os livros que editou – ou curou – eram, de fato, exposições em si. Ao transformar catálogos em plataformas artísticas autônomas, Siegelaub questionou o sistema das artes no qual estava inserido: como a arte é criada, exposta, distribuída e vivenciada. À época, a discussão sobre como os museus se relacionavam com artistas e obras tomou grandes proporções. Em 1969, um grupo de artistas fundou a Art Workers’ Coalition (AWC) – da qual Siegelaub fez parte –, que entrou em um embate direto com o MoMA. Incentivado pelos debates, Seigelaub criou o Artist’s Reserved Rights Transfer and Sale Agreement, um modelo de contrato que pretendia equilibrar as forças política e econômica dos artistas sobre suas obras.

Stanley Brouwn [1935, Suriname]



Os trabalhos de Stanley Brouwn lidam com o conceito de espaço, em termos de deslocamento. Como um contraponto às distorções do transporte físico causadas pela tecnologia, o artista resgata a noção do movimento natural do corpo pelo espaço. Ele documenta seu deslocamento de várias maneiras (sobretudo utilizando como unidade de medida seu próprio passo): uma linha sobre papel, textos e números em fichas guardadas em caixas-arquivo ou cadernos de anotação – que são os materiais de apresentação de seus trabalhos em museus e em livros. Em seus livros ele registra os passos dados em diferentes países, assim como cria noções de distância através de dados abstratos – a distância de um local dado para outro imaginário ou genérico. Em outros momentos, não informa nada além da quantidade de passos, sem referência a nenhum espaço específico. Ao apresentar esses registros, em forma de dados, Brouwn suscita a consciência do movimento como medida do mundo. Na série de trabalhos intitulados This Way Brouwn, o artista pede a pessoas que expliquem a ele como ir de onde estão para outro lugar. Cada pessoa explica o trajeto de uma maneira: com palavras, com desenhos, dando pontos de referência, usando certo vocabulário. Os cartões resultantes dessa interação são um compêndio de como as pessoas se relacionam com o espaço da cidade.



ARTISTAS: Douglas Huebler, Lawrence Weiner, Robert Barry, Seth Siegelaub e Stanley Brouwn.