Still Guerrilling Girls: a causa feminista nos museus de arte


Curadoria: Diana Dobránszky



Em texto seminal e inaugural da teoria da arte feminista escrito em 1971, a americana Linda Nochlin estabelece alguns parâmetros para a questão ‘Why Have There Been No Great Women Artists?’ [‘Por que não houve grandes artistas mulheres?’]. Dentre os diversos motivos apresentados, Nochlin trata da restrição sofrida pelas mulheres em sua educação artística e no acesso a meios de produção (e distribuição) – é impossível não lembrarmos do notório ensaio da inglesa Virginia Woolf sobre a condição da escritora em seu livro ‘A Room of One's Own’, de 1929 , no qual defende a independência – e a liberdade – como necessidade primordial para a produção e o aperfeiçoamento artístico. Na década de 1980, nascem as Guerrilla Girls. Nota-se que no Brasil o feminismo não atingiu a arte da mesma maneira e é apenas nos últimos anos que vemos força nos movimentos sociais de minorias.


Partindo do pressuposto de que os museus de arte deveriam apresentar em seus espaços a diversidade cultural de uma sociedade, as Guerrilla Girls defendem uma ética da representatividade em instituições culturais. Esse grupo de ativistas feministas aborda a questão da discriminação apontando para os dois principais motivos que as originam: séculos de história patriarcal e as relações de poder e dinheiro que permeiam as instituições, museus e galerias de arte.


As Guerrilla Girls surgiram em 1985, em Nova York, como um grupo de feministas ativistas revoltadas com um cenário artístico que pouco reconhecia a produção de mulheres, tanto em termos de aquisição de obras quanto de oportunidade para expor seus trabalhos. Optando por uma abordagem direta para comunicar suas indignações, utilizaram a estética publicitária e panfletária para demonstrar, por meio de estatísticas, as desigualdades de representatividade. Desde o início, adotaram como estratégia o humor – “As mulheres têm de estar nuas para entrar no Metropolitan?”, lia-se em um poster de 1985, espalhado pela cidade, com a imagem icônica da odalisca de Ingres “vestindo” uma máscara de gorila. Como parte de seu programa de conscientização e protesto, as Guerrilla Girls participaram de demonstrações, manifestações e continuam até os dias de hoje palestrando e colaborando com exposições em instituições culturais, sobretudo realizando ações em universidades. Para concentrar as atenções no assunto e se protegerem de represálias, as integrantes do grupo mantem o anonimato vestindo em todas as aparições públicas máscaras de gorila – o coletivo nasceu com sete artistas e em seus trinta anos de atividade mais de cem mulheres já integraram suas reuniões e ações. Em termos de temática, embora as reivindicações feministas sejam o núcleo original do trabalho das artistas, o argumento da representatividade as levou a discussões sobre minorias ainda na década de 1960, bem como a outros âmbitos de atuação além do universo da arte – em 1991 abordaram a Guerra do Golfo, por exemplo.

Se quisermos traçar parte de uma matrilinhagem das Guerrilla Girls, seria pertinente começarmos pela publicação de ‘O segundo sexo’, de Simone de Beauvoir, em 1949, que inaugura um movimento de revolução na consciência da mulher sobre sua condição ao longo da história e sobre como sua vivência vinha sendo contaminada por padrões de pensamento alimentados por relações de poder fundadas no patriarcalismo. Pouco mais de dez anos depois, nos EUA da década de 1960, os movimentos pelos direitos civis foram perpassados por lutas feministas, tanto no âmbito sociopolítico quanto cultural. Em 1969 foi criado a Art Workers' Coalition, que reivindicava já em suas discussões primárias uma representatividade verdadeira da cultura americana nos museus. Nesses anos de manifestações, as mulheres viveram o que é considerado por teóricas e artistas um momento de despertar, que trouxe à tona a trama da repressão sobre seu gênero. Ondas feministas na esfera da arte se manifestaram ao longos das décadas seguintes e publicações nasceram com a intensão de discutir a arte feminista e de minorias.


Em texto seminal e inaugural da teoria da arte feminista escrito em 1971, a americana Linda Nochlin estabelece alguns parâmetros para a questão ‘Why Have There Been No Great Women Artists?’ [‘Por que não houve grandes artistas mulheres?’]. Dentre os diversos motivos apresentados, Nochlin trata da restrição sofrida pelas mulheres em sua educação artística e no acesso a meios de produção (e distribuição) – é impossível não lembrarmos do notório ensaio da inglesa Virginia Woolf sobre a condição da escritora em seu livro ‘A Room of One's Own’, de 1929 , no qual defende a independência – e a liberdade – como necessidade primordial para a produção e o aperfeiçoamento artístico. Na década de 1980, nascem as Guerrilla Girls. Nota-se que no Brasil o feminismo não atingiu a arte da mesma maneira e é apenas nos últimos anos que vemos força nos movimentos sociais de minorias.

Em termos mais amplos, a relevância do trabalho artivista dessas mulheres é explicada articuladamente pela teórica, escritora (e feminista) americana Lucy R. Lippard:

“Artistas não podem mudar o mundo sozinhos, mas com bons aliados e muito trabalho podem colaborar com a vida em si. Trabalhando com e entre outras disciplinas e públicos, e tendo a chance ser serem considerados com seriedade fora de seu campo restrito de atuação, acredito que artistas podem oferecer sobressaltos visuais e cutucadas sutis, assim como fazer perguntas estranhas à familiaridade. E eles podem criar modelos para novas abordagens ao perguntar sem saberem as respostas. […] Eles também podem desconstruir a forma como somos manipulados pelo poder vigente, e nos ajudar a abrir os olhos para que resistamos e sobrevivamos”.

De fato, o contato com a produção dessas artistas, escritoras e teóricas feministas tem a capacidade de gerar uma avalanche de reconsiderações acerca de nossas posições e posicionamentos na sociedade contemporânea, da mesma forma que provoca uma desconcertante reconstrução mnemônica nas mulheres. Sendo a produção artística feminista ou não, as criações das mulheres presentes nesta exposição – e nos museus lá fora – podem ser apreciadas por um prisma que leva em consideração que a arte produzida por elas dá voz a um enunciador com características específicas, mesmo que sua arte tenha um caráter universal.



Alguns números aproximados da presença de artistas mulheres nas principais coleções de arte da cidade de São Paulo:

MAC-USP em 2016: 20%
MASP em 2016: 17%
Pinacoteca* em 2016: 17%

Na exposição da coleção permanente Arte no Brasil - uma história na Pinacoteca de São Paulo: 4% das obras produzidas por mulheres

coleção moraes-barbosa em 2016: 29%

Fontes: arquivos dos museu e pesquisa de Julia Godinho* realizada em 2014.