Nightfall

coleção moraes-barbosa

curadoria de Leonardo Bigazzi










O crepúsculo não é simplesmente o fim do dia; é um limiar. À medida que o céu se adensa e as sombras se alastram, descortina-se um território de desejos secretos e de oportunidades inesperadas, mas também de medo e incerteza. Em zonas de guerra e geografias em disputa, a noite é tanto campo de batalha quanto refúgio, esconderijo e campo de caça. Para alguns, é um espaço compartilhado de resistência e perseverança coletiva, onde o poder é desafiado e a liberdade reconquistada. Para outros, é o momento em que o terror e a violência se impõem, e em que a guerra tecnológica e a vigilância avançam sob outras regras.

Nightfall, primeira exposição individual de Aziz Hazara na América Latina, apresenta uma série de trabalhos que se debruçam sobre os desdobramentos materiais e psicológicos resultantes de décadas de ocupação estrangeira, apagamento cultural e subjugação econômica no Afeganistão. Em seu trabalho, Hazara revela uma escuridão que não é cenário, mas condição. Um local de fricções e negociações constantes, onde silêncio e ruído, presença e desaparecimento se tornam estratégias para navegar por paisagens em disputa.

A exposição se inicia com os cânticos rebeldes e as reverberações luminosas de Takbir (2022). O filme toma seu título da expressão árabe “Allahu Akbar” (“Deus é o maior”), um chamado que ecoou pelas noites de Cabul durante múltiplos períodos de agitação e mudança de regime. Remetendo aos anos 80, quando, sob a ocupação soviética, moradores bradavam o takbir do alto dos  telhados, o filme se passa em agosto de 2021, quando os afegãos mais uma vez se voltaram ao céu noturno enquanto o Talibã retomava a cidade e as forças norte-americanas se retiravam. Por meio da sobreposição de gravações de campo e canções Naat, Hazara mapeia como o som se torna um território de significados em disputa e manipulação, reivindicado pelo poder dominante para fins de propaganda. Sombras fugidias, cães a ladrar e a movimentação perturbadora e incessante do maquinário de vigilância norte-americano compõem uma linguagem visual de suspensão e presença espectral. As gradações oscilantes da escuridão na noite de Cabul ecoam as condições perceptivas e psicológicas da resistência coletiva de uma cidade.

Para esta exposição, as paredes do espaço expositivo estão inteiramente revestidas com mantas de resgate da OTAN, originalmente recolhidas pelo artista entre as toneladas de detritos militares abandonados pelas forças dos EUA e da OTAN na Base Aérea de Bagram. Sua superfície enrugada e reflexiva lembra uma pele marcada, que tanto protege quanto sufoca. Em Gardish-e-Lail-o-Nahaar (The cycle of night and day) [Gardish-e-Lail-o-Nahaar (O ciclo da noite e do dia)] (2025), Hazara acompanha uma jornada noturna em que um caminhão carregado de remanescentes militares é transportado da base a um depósito em Cabul. O vídeo é apresentado em um tablet da OTAN e posicionado sobre uma fotografia com tonalidade verde. Extraída de óculos de visão noturna usados em incursões do Exército dos EUA, essa imagem torna-se um perturbador portal de acesso ao alcance pervasivo da vigilância e à tensão entre o que é visto e o que permanece oculto em zonas de conflito e geografias em disputa.

Na segunda sala da exposição, as 24 imagens da série fotográfica Untitled Bagram (Field Scans) [Bagram Sem Título (Escaneamentos de Campo)] (2024) são concebidas como um arquivo visual de destroços militares. Documentados com precisão forense, esses objetos são testemunhas mudas da violência persistente infligida ao Afeganistão pela intervenção estrangeira e servem também como testemunhos do capital global e das infraestruturas corporativas que sustentam a cadeia de suprimentos da guerra contemporânea. Enquanto esta série cataloga objetos tipicamente associados a equipamentos militares, como componentes eletrônicos e dispositivos de comunicação, Bagram Plug (2023) desloca nossa atenção para um resquício inesperadamente íntimo da guerra: um brinquedo sexual descartado. Sua inclusão complica deliberadamente a narrativa do arquivo, revelando como até os pertences mais pessoais e privados estão enredados no legado material da ocupação imperial.

A instalação Jahez (Dowry) [Jahez (Dote)] (2025) encerra a exposição ao entrelaçar múltiplas camadas narrativas, refletindo sobre como as relíquias militares se infiltram silenciosamente na economia informal e no cotidiano do Afeganistão, inscrevendo-se no tecido da memória coletiva. Em frente a uma grande fotografia que retrata a superfície de um monitor, um vídeo de um homem limpando e separando materiais descartados é exibido sobre um grande baú metálico apoiado em um palete de carga. Modelados com base em um projeto introduzido na região pelos britânicos no final do século XIX e fabricados com metal fundido proveniente de sucata, esses baús tornaram-se populares e ainda hoje são usados para guardar dotes e transportar mercadorias. Hazara reconfigurou o alto-falante e o monitor e produziu o grande baú com os remanescentes militares encontrados na Base Aérea de Bagram. O trabalho é um monumento informal à força e à resiliência silenciosas das comunidades, bem como à sua capacidade de transformar destroços imperiais em ferramentas funcionais do dia a dia.

EN

Dusk is not simply the end of the day; it is a threshold. As the sky deepens and shadows stretch, a territory unfolds of secret desires and unexpected opportunities, but also of fear and uncertainty. In war zones and contested geographies, the night is both battlefield and refuge, hiding place and hunting ground. For some, it is a shared space of resistance and collective endurance, where power is challenged and freedom is reclaimed. For others, it is the time when terror andviolence are imposed, and technological warfare and surveillance continues under different rules.

Nightfall, Aziz Hazara’s first solo exhibition in Latin America, presents a series of works that draw on the material and psychological aftermath of decades of foreign occupation, cultural erasure and economic subjugation in Afghanistan. In his work, Hazara reveals a darkness that is not a setting but a condition. A site of constant frictions and negotiations, where silence and noise, presence and disappearance, become strategies for navigating contested landscapes. The exhibition opens with the rebellious chants and light reverberations of Takbir (2022). The film takes its title from the Arabic phrase “Allahu Akbar” (“God is great”), a call that has echoed through Kabul’s nights during multiple periods of upheaval and regime change. Rooted in the 1980s, when residents shouted the takbir from rooftops under Soviet occupation, the film is set in August 2021, when Afghans again turned to the night sky as the Taliban reclaimed the city and U.S. forces withdrew. Through a layering of field recordings and Naat songs, Hazara traces how sound becomes a terrain of contested meaning and manipulation, claimed for propaganda by the ruling power. Fleeting shadows, barking dogs, and the haunting drift of American surveillance machinery form a visual language of suspension and spectral presence. The shifting gradients of darkness in Kabul’s night echo the perceptual and psychological conditions of a city’s collective resistance.

For this exhibition, the gallery walls are entirely covered in NATO rescue blankets, originally retrieved by the artist from the tons of military detritus left behind by U.S. and NATO forces at Bagram Air Base. Its crinkled, reflective surface recalls a scarred skin that both shelters and suffocates. In Gardish-e-Lail-o-Nahaar (The cycle of night and day) (2025), Hazara follows a night-time journey to move a truckload of military leftovers from the base to a storage site in Kabul. The video is presented on a NATO tablet and placed over a green-hued photograph. Extracted from night-vision goggles used in U.S. Army raids, this image becomes a haunting portal into the pervasive reach of surveillance and the tension between what is seen and what remains concealed in zones of conflict and contested geographies.

In the second room of the exhibition, the 24 images of the photographic series Untitled Bagram (Field Scans) (2024) are conceived as a visual archive of military debris. Documented with forensic precision, these objects stand as mute witnesses to the enduring violence of foreign intervention in Afghanistan and serve as testimonies to the global capital and corporate infrastructures that sustain the supply chain of contemporary warfare. While this series catalogues objects typically associated with military equipment, such as electronic components and communication devices, Bagram Plug (2023) shifts our attention to an unexpectedly intimate remnant of war: a discarded sex toy. Its inclusion deliberately complicates the narrative of the archive, revealing how even the most personal and private belongings are entangled in the material afterlife of imperial occupation.

The installation Jahez (Dowry) (2025) closes the exhibition by weaving together multiple narrative layers, reflecting on how military relics quietly seep into Afghanistan’s informal economy and daily life, inscribing themselves into the fabric of collective memory. In front of a large photograph of a monitor surface, a video of a man cleaning and sorting discarded materials plays on a large metal trunk set atop a shipping pallet. Modeled after a design introduced by the British in the region at the end of the 19th century and crafted by melting scrap metal, these chests became fashionable and are still used today to store dowries and transport goods. Hazara reconfigured the speaker and the monitor and produced the large box from the leftovers found at Bagram Air Base. The work is an informal monument to the quiet strength and resilience of communities and their capacity to turn imperial debris into functional tools of everyday life.
Leitura complementar
For further reading

The Eye of God
By Francesca Recchia
Junk Empire
By Joshua Craze and with Aziz Hazara

Disponível de:
30/08 - 20/12/2025
Segunda a Sexta,
das 11h às 19h
Sábado das 15h às 19h
Entrada gratuita

como chegar

Travessa Dona Paula, 120 Higienópolis - São Paulo