Exposição:
Preencha de acordo com suas próprias concepções:
A experiência gráfica de Tomma Wember,
Paul Wember e Johannes Cladders


curadoria: Tina Merz


   



Entre 1967 e 1978, Johannes Cladders, diretor do Städtisches Museum Mönchengladbach, na Alemanha, utilizou o espaço provisório do museu, uma casa de quatro quartos, com inventivas estratégias de fazer ver o seu trabalho, valendo-se muitas vezes de recursos do território gráfico. Desenvolveu caixas-catálogo, não como uma forma de documentação ou representação dos trabalhos expostos, mas como um espaço de laboratório impresso, onde se cruzam e se justapõem as atividades do artista, do curador e do designer. Projetou o museu que dirigiu para fora de suas paredes, fez da precariedade uma virtude. Cladders, que se encontrava em Mönchengladbach, uma cidade periférica, e consciente de seu espaço limitador, seu museu-casa, fez das caixas-catálogo uma exposição portátil, volante, que podia circular pelo mundo. Ao todo foram 35 edições, onde trabalhou conjuntamente com diversos dos artistas que expôs no processo das caixas-catálogo, entre eles: Joseph Beuys, Hanne Darboven, George Brecht e Robert Filliou, Hans Hollein, stanley brouwn, Daniel Buren, Marcel Broodthaers, Lawrence Weiner, Braco Dimitrijević, James Lee Byars, Jannis Kounellis, entre outros.


Não são comuns, nas caixas de Cladders, as típicas apresentações biográficas dos artistas, uma lista das exposições individuais ou um guia dos trabalhos expostos. O procedimento do catálogo-documento habitual é substituído pela circulação do trabalho por si mesmo, estabelecendo uma grande autonomia em relação à exposição que determinou a sua origem e pretexto. Com essa concepção, Cladders não estava sozinho, pois o conceito de uma exposição como publicação deriva de práticas curatoriais dos anos 1960 e 70, quando artistas, curadores e galeristas experimentaram, com diferentes meios viáveis, formas de se fazer uma exposição, com a intenção de ressituar a arte e sua relação com as pessoas. La Boîte-en-valise, de Duchamp, é certamente um marco inicial para isso. Desde 1950, diretores de museus como Willem Sandberg (Amsterdã), Pontus Hultén (Estocolmo) e Paul Wember (Krefeld) vinham trabalhando em tais conceitos em vivo intercâmbio. Também os experimentos posteriores do galerista Seth Siegelaub, em Nova York, devem ser mencionados aqui.


Paul Wember, na cidade vizinha de Krefeld, que fica a 20km de Mönchengladbach, dirigiu dois museus entre 1947 e 1975, onde Cladders foi seu assistente por quase dez anos. Desde 1954, foram publicados catálogos para exposições de, por exemplo, Joan Miró, Berto Lardera, Jean Tinguely, Yves Klein, Alberto Burri, Robert Rauschenberg, Marcel Duchamp, Arman e Cy Twombly. Muitos desses catálogos possuíam capas fac-símiles aos trabalhos, ou uma qualidade de objeto em si, como para a exposição de Arman, de 1965, onde há uma instrução de como transformá-lo em uma Poubelle, o catálogo assume assim o formato de um saco de lixo.


Entre 1969 e 1975, após um necessário fechamento dos museus para reforma, foi implementado em Krefeld um conceito de catálogo em formato de fichário com folhas soltas (Ringbücher). Diferente da interação com as caixas-catálogo, que acontecia naturalmente devido ao seu formato, pois caixas são espaços onde se guarda algo, em Krefeld os fichários foram concebidos como obras participativas: quem os adquirisse poderia adicionar ao catálogo suas próprias anotações e documentos. Artistas participantes desse período foram Jan Dibbets, Richard Long, Franz Erhard Walther, Timm Ulrichs, Christo, Haus Rucker Co., Diter Rot, Hans Haacke, Joseph Beuys, entre outros. O fichário n. 1 do museu (serão 12), é o catálogo de “Quando atitudes se tornam forma”, exposição itinerante organizada por Harald Szeemann para a Kunsthalle Bern. A versão de Krefeld desse catálogo tem uma adição significativa: as páginas podiam ser rearranjadas pelo leitor. As coordenadas são dadas da seguinte forma:


“O visitante da exposição ou o proprietário do fichário deve preenchê-lo de acordo com suas próprias concepções. Os convites para a exposição e outras informações do museu também aparecem no mesmo formato e são perfurados para que possam ser arquivados. Com o preenchimento das páginas, ocorrem duas coisas: 1. o visitante se torna autor de seu próprio fichário; 2. tudo relacionado a uma exposição, desde o convite até a foto de abertura e a notícia de jornal, permanece reunido em um único lugar. Como a documentação é nosso objetivo em todas as exposições, a publicação de um catálogo é feita somente após ou, no mínimo, durante a exposição”.


Para Paul Wember, em Krefeld, foi uma feliz coincidência o fato de que, a partir de 1955, além do Kaiser Wilhelm Museum, ele teve à sua disposição para exposições uma vila construída por Mies van der Rohe, chamada de Museum Haus Lange. Esse espaço havia sido disponibilizado para a cidade por industriais, com a condição de que apenas arte contemporânea fosse exibida ali. O que ia ao encontro da ideologia-política de Paul Wember, que foi claramente marcada por sua época: a destruição e a devastação intelectual após a Segunda Guerra Mundial foram a força motriz por trás de sua decisão de criar novos caminhos através da arte. As exposições eram realizadas no espaço térreo, enquanto o diretor, sua esposa, Tomma Wember, e seus sete filhos moravam no andar acima.


Tomma Wember, foi responsável por uma contribuição significativa no desenvolvimento dos primeiros catálogos de Krefeld, e o conceito de se utilizar fichários, certamente carrega sinais claros de sua assinatura. Trouxe uma sensibilidade e interação gráfica que partem diretamente de seu próprio trabalho artístico. As letras, as palavras, a página e o livro eram elementos fundamentais de suas obras. Seu trabalho se situa entre poesia concreta, happening, ações e literatura. Em uma carta para Diter Rot, Daniel Spoerri diz: “Tomma Wember escreve poemas para grupos que devem ser lidos juntos, como um baralho de cartas, com certas liberdades que todos têm”. O ambiente de convívio e trocas com os artistas, instaurado no museu, certamente influenciou seu trabalho. E vice-versa: as décadas de intensa colaboração com Paul Wember foram caracterizadas por um envolvimento mútuo, de modo que muitas de suas ideias também puderam fluir para o museu.


Em uma análise retrospectiva, a historiadora de arte Katerina Vatsella agrupa a obra de Tomma em alguns eixos principais. Seu início, no final dos anos 1950 e o começo dos 60, é dedicado às experimentações linguísticas, partituras para dizer consoantes, sílabas ou palavras, dizer seu próprio nome, dizer o nome de outra pessoa. E, na etapa seguinte, ela combina essas articulações com ações simples: apertar as mãos, caminhar, comer e beber, ficar em silêncio juntos. Para essas ações, ela desenha alguns sinais de instrução característicos (como você pode ver no verso deste cartaz) e alinha todos os elementos de acordo com seu senso de som e dinâmica rítmica. A maioria dessas instruções e jogos é composta para pequenos grupos, algumas para uma experiência individual. E outros trabalhos são site-specific: em certas escadas, na praia, na grama. Os anos 1970 e 80 são marcados pela invenção de diferentes formatos de livros para serem lidos simultaneamente por mais de um leitor.


Tomma Galonska, artista do teatro e filha de Tomma Wember, reflete sobre sua mãe artista, e diz que ela buscava criar padrões de comunicação, com o mundo e as pessoas ao redor, com a pessoa ao seu lado, com a natureza, com o cotidiano. Conectando com o mundo, não o descrevendo. Em relação ao seu trabalho, pode-se dizer que, através da combinação de linguagem e cenários de ação, Tomma procurou construir um novo espaço de expressão. Em seus jogos, não havia a ideia de ganhadores ou perdedores. Seu fio condutor é a ação compartilhada, a experiência compartilhada. Em seus conceitos de leitura, tudo, inclusive o virar das páginas, torna-se um elemento de ação compartilhado.


No entanto, todos esses trabalhos foram criados e circularam em um contexto-vida: como artista, fez pouquíssimas aparições públicas desde o início dos anos 1960. Na maioria das vezes, seu público era composto por artistas-amigos da família e os seus filhos eram quase sempre os primeiros a testar os jogos-trabalho. O reconhecimento artístico de Tomma junto a um público maior só se daria aos 83 anos, fruto do encontro com Katerina Vatsella e de uma exposição organizada por ambas em 2002, na Kunsthalle Bremen.


E, assim, se traça um círculo, o princípio da ação compartilhada, se espelha nas muitas caixas e fichários, que, quando guardadas, tornaram-se uma espécie de arquivo com adição de outros trabalhos ou informações sobre o artista. Um exemplo é a caixa-catálogo de Hanne Darboven presente nesta exposição, onde encontrei: o bulletin n. 28, trabalho da artista a convite do projeto Art & Project; um convite de exposição; um recorte de jornal; um sachê de açúcar da marca “Darboven Kaffee”. A mesma caixa/fichário costuma ser sempre diferente, algumas por adições, outras por subtrações, transformadas pelas mãos que a portaram algum dia.


Através dessas experiências gráficas, nos permitimos imaginar o museu de outra maneira. Nos possibilitam “fazer ver o existente”, como na caixa transparente de Manzoni. O quanto uma caixa/fichário, que em sua definição é uma coisa fechada, revela-se uma imensidão. Expõe dimensões do trabalho do diretor-curador-designer não reveladas pelo museu-museu. A exemplo, ao longo de minha pesquisa in loco, encontrei todo um conjunto de propostas gráficas pertencentes aos museus de Krefeld, que estavam separadas, distribuídas pelas centenas de pastas da coleção moraes-barbosa. Um corpo presente não visto, talvez como o caminhar conscientemente através de raios cósmicos de stanley brouwn.


Nessas ações, nestes catálogos que se propõem como arquivos, já conceitualmente e como princípio, a realidade não é a abstração da sua existência, mas uma realidade que se opõe ao que até então foi considerado museu. Paul Wember, em uma fala sobre o futuro dos museus, no início dos anos 1960, diz: “o que fizemos, e estamos fazendo até agora, sempre pressupõe que apresentemos algo ao público, por meio de palavras e imagens, e com isso queremos alcançar que ele interprete exatamente o que orientamos. Mas, seria necessário encontrar uma maneira de o público encontrar algo por conta própria, em simultaneidade”. Como na caixa de Broodthaers, quando algo parece ser o trabalho, escapa, e permite ser seu contrário, uma caixa são quatro, e quatro é uma só. Um “antimuseu”, resultado da reelaboração da equação arte / vida, que não busca esgotar as possibilidades e encontrar a saída de um labirinto, mas tão somente deixar-se levar pela arte e pela vida.


Visitação 15.06 - 17.08.2024
Quarta a Sexta, das 13h às 19h
Sábado das 11h às 19h
Entrada gratuita

como chegar

Travessa Dona Paula, 120
São Paulo - SP