Programa de Textos
O programa de textos da cmb é uma iniciativa que oferece o material da coleção para que autoras, autores e artistas desenrolem fios críticos, analíticos, propositivos e/ou poéticos partindo de momentos-chave na produção artística moderna e contemporânea.
De vidro. Por que não recua ou morre?
Laila Terra
É preciso entender mais do que o conjunto elementar que compõe a Farnsworth House como signo estético. É preciso entrar no contexto histórico da linguagem que abrange esse signo específico, porque toda linguagem está consignada a um determinado tempo e espaço. É necessário identificar as falas aplicadas à casa e aos personagens que dela se ocuparam nas distintas conjunturas. Quem era Mies van der Rohe, quando foi contratado por Edith, e quais eram os enunciados relativos a ele? Quem era Edith Farnsworth, a contratante, e como ela foi representada pela história (de 1940 a 2020)? Em que época a casa foi projetada e onde? Quais os elementos construtivos propostos por Mies? Qual foi a reação de Edith depois da casa pronta e o que isso acarretou? E, por fim, o que ocorreu com a casa ao longo tempo (de 1951 até 2020)? Finalmente, com esses dados, podemos confrontar os discursos.
Uma cosmogonia periférica: sobre a 6ª Bienal de Arte de São Paulo
Erica Ferrari
“Toda a arte moderna inspirou-se na arte dos povos periféricos [...]’– com essa clareza de percepção, o crítico Mário Pedrosa empreendeu algumas das propostas mais radicais para o circuito artístico institucional brasileiro. Entre elas, a 6ª Bienal de Arte de São Paulo, por ele organizada em 1961, trouxe produções de diferentes [supostas] ‘periferias’, de variadas épocas, de contextos dos mais diversos – apresentando um conjunto de riqueza estética, simbólica e social que ainda reverbera. Como deve ter sido a experiência de ver lado a lado, um conjunto de afrescos medievais da antiga Iugoslávia, a obra de Kurt Schwitters e esculturas barrocas do Paraguai? Ou a pintura de Clemente Orozco, peças aborígenes australianas e os trabalhos de Pedro Figari? Essa junção de manifestações parece de fato capaz de friccionar os parâmetros do que se pôde julgar até então como arte moderna – entendida como a mais alta criação da sociedade Ocidental.”
O reflexo da faca
Caio Bonifácio e
Renata Masini Hein
O gesto de recusa e a expressão no rosto de Iole, ao encarar a si mesma no reflexo do espelho, demonstram um eloquente enfrentamento com seu próprio corpo - um corpo fechado, como se impusesse, a uma repressão. A dureza de uma couraça da recusa enfática, de um corpo que enfrenta ao mesmo tempo em que afasta. A faca é ambiguamente um símbolo de violência: é apenas um instrumento, o qual, dependendo de quem empunha, é capaz de reprimir ou de libertar.
O fogo entre o passado e o futuro
Nathalia Colli
Quinhentas e quarenta e nove mil pessoas mortas pelo coronavírus no Brasil, a cotação do dólar não pára de subir, já se somam milhões de desempregados e milhões de desabrigados. Manchete central “Estátua de Borba Gato é incendiada na zona sul de São Paulo, dois foram presos”. Isto é um print screen de uma tela de jornal do dia 24 de julho de 2021. Ninguém saiu ferido. Exceto os dois presos. Os pretos.
Criação e cuidado na mistura entre corpos vibráteis/materiais
jialu pombo
O entrelaçamento entre vida e morte do qual Lygia fala é o que tenho chamado pela expressão vulnerabilidade-força: há uma força presente em um embrião que carrega informação potencial de vida, e para que tal vida venha a existir, aquilo que a carrega precisa abrir mão de sua forma, atingir o ápice de sua vulnerabilidade, e se misturar para germinar outra coisa. Nessa passagem que se encontra o ato de criação, ela segue acontecendo de novo e de novo, sempre diferente.
“Evita a parte norte-americana porque só tem televisão, ouviu?”
Cássia Hosni
A entrada das imagens em movimento nas exposições da Bienal de São Paulo, no início da década de 1970, pode ser vista como um território de conflito técnico, estético e geopolítico. Tais conflitos puderam se proliferar devido ao próprio modelo adotado pelo evento (e abandonado apenas em sua 27ª edição, em 2006), baseado nas representações nacionais, onde os países convidados custeiam o envio das obras e dos equipamentos – e têm, portanto, a palavra final sobre o que irão exibir. Não à toa, esse regime atribuía a maior importância ao aspecto financeiro, possibilitando que as grandes potências econômicas tivessem maior destaque.
Arco
Frederico Filippi
Enquanto no fim dos anos 60 artistas estão se isolando nos desertos norte-americanos, movendo enormes quantidades de terra com máquinas e milhares de dólares e questionando conceitos de paisagem, indústria, tempo, materialidade e valor, tratores e retroescavadeiras (provavelmente semelhantes às que Robert Smithson chamou de pincel de Robert Morris[7]) estão abrindo retas imensas em um território absolutamente úmido, onde não se vê o horizonte com os pés no chão, talvez nem mesmo três metros à frente, e, no entanto, é considerado infinito.
Rayban
Wallace Masuko
São 6 ou 8 as faces de plástico, as faces iguais se opõem, as faces diferentes se tocam, os riscos são internos e os tesos fios brancos os preenchem, os eventos ocorrem nas superfícies ou ao redor delas. O centro do objeto resta incólume, silêncio rodeado de matérias. Pulsares são estrelas de nêutrons que transformam a energia rotacional em energia eletromagnética. A medida que gira, seu intenso campo magnético induz um enorme campo elétrico na sua superfície. Neutral, requer o espaço em volta e o atrai.